Por: Tatiana Pronin
Seres humanos adoram criar listas e rankings e, no pedestal que construíram para si mesmos, não é estranho ouvi-los dizer que são as criaturas mais inteligentes do mundo. Claro que nos degraus abaixo são colocados outros mamíferos com características muito semelhantes às deles, como macacos (capazes de usar ferramentas e se comunicar), cachorros ("melhores amigos"do homem) e golfinhos (possuem linguagem própria e trabalham em grupo), por exemplo.
Mas os conceitos sobre inteligência animal evoluíram bastante, e hoje é fácil encontrar pesquisadores que enaltecem a capacidade ímpar de animais que nem chegam a vir à mente dos leigos quando o desafio é enumerar os mais espertos.
A atual presidente da Sociedade Brasileira de Etologia (Sbet) - ciência que estuda o comportamento animal - Elisabeth Spinelli de Oliveira, conta que os corvos planejam ações e podem até trapacear quando o objetivo é conseguir um pedaço de carne. "As aves têm sido recentemente o grande foco das atenções da neurociência", ressalta.
Além dos corvos, os papagaios, os periquitos, as cegonhas e as garças também revelam aspectos de inteligência equivalentes a dos primatas não humanos, segundo Oliveira, que também é professora do departamento de biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto. Ela lembra que, curiosamente, essas espécie são destacadas por sua inteligência nas antigas fábulas de Esopo e La Fontaine.
O pesquisador Salvatore Siciliano, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e do Instituto Megafauna Marinha, da Região dos Lagos, no Rio, comenta que já viu formigas construírem uma espécie de balsa para levar o grupo até um porto seguro durante uma enchente. E cita uma lagarta da Costa Rica que, conforme descoberto recentemente, consegue se disfarçar de cobra para se proteger de predadores.
Ambos os especialistas deixam claro que é impossível eleger uma espécie que seja a mais inteligente: "Como os elefantes encontram água no deserto? Como as baleias migram milhares de quilômetros, desde o Alasca ao Havaí, cruzando boa parte do Oceano Pacífico? Veja que não temos as respostas, ainda não somos capazes de entender profundamente como os animais pensam", opina Siciliano.
Oliveira segue a mesma linha de pensamento, e explica o causador de tantos equívocos quando o tema é inteligência animal: "Acredito que existe um grande problema quando olhamos a natureza porque temos uma compreensão equivocada da evolução, um tema de fundamental importância para a compreensão da vida. Para os leigos, evolução é sinônimo de 'melhor' ou de progresso'. No entanto, para a Biologia, evolução é 'mudança', sem qualificação de melhor ou pior.
Sim, somos péssimos conhecedores da obra de Charles Darwin, o que contribui para nossa falsa noção de superioridade. "O homem não é o ser mais evoluído. Todos os animais que compartilham a vida neste momento histórico são igualmente adaptados aos seus ambientes", continua a professora. "Atualmente há um consenso de que inteligência surgiu independentemente, várias vezes e em vários grupos de animais", completa.
"Se queremos medir a inteligência dos animais como medimos a nossa própria podemos estar mascarando atributos que não podem ser totalmente avaliados pela nossa razão. Os animais tiveram que aprender a resolver questões de sobrevivência, sob as condições mais adversas", argumenta, ainda, Siciliano.
O pesquisador lembra que, para o homem, o porco é "porco" porque gosta de se esfregar na lama, quando na verdade a estratégia é uma forma de evitar a desidratação e se proteger do ataque de insetos. E o burro também virou adjetivo porque pensa muito antes de tomar uma decisão, o que torna muito difícil sua queda num buraco, por exemplo.
Fugir do egocentrismo é muito difícil, mas há alguns critérios gerais que podem ser usados pelo menos para admirar outros companheiros de sobrevivência neste planeta. Autoconsciência, habilidade de usar ferramentas e capacidade de comunicação estão entre eles e foram extensamente aplicados em testes com primatas e golfinhos. Hoje ainda têm sido levados em conta, segundo a presidente da Sbet, aspectos comportamentais como a capacidade de inovação, o aprendizado social e a capacidade de dissimulação.
"A ideia de que o córtex, uma estrutura que predomina no encéfalo de mamíferos, é a condição fundamental para a inteligência está ultrapassada", frisa Oliveira. Essa mudança de paradigma é tão importante que chegou a ser descrita em um documento, denominado "Declaração de Cambridge", assinado por um grupo internacional de cientistas em julho de 2012. Segundo o texto, novas evidências levam a concluir que os humanos não são os únicos animais com substrato neurológico capaz de gerar autoconsciência.
Além de outros mamíferos e aves, o documento diz que até os cefalópodes (polvos e lulas) agora entraram para a lista de seres vivos com capacidade cognitiva. Você se lembra do polvo Paul, que ganhou fama de vidente na Copa do Mundo de 2010? Pois é. Se você acha que é muito superior a ele em inteligência, está na hora de rever seus conceitos.
Fonte da Informação
UOL Notícias - ciência